Sistemas Tutores Inteligentes

MACÁRIO COSTA

 

 

Sistemas Tutoriais Inteligentes

Na educação com computadores, na linha dos programas de apoio ao ensino, está situada a aplicabilidade dos Sistemas Tutores Inteligentes, que buscam potencializar a Informática Educativa através da aplicação de técnicas de Inteligência Artificial junto aos programas educativos (Eberspächer, 2002).

Os STIs são programas de computador com propósitos educacionais e que incorporam técnicas de IA, geralmente utilizando-se da tecnologia dos sistemas especialistas. Os STIs derivam dos programas CAI e oferecem vantagens sobre estes, porque podem simular o processo do pensamento humano, dentro de um determinado domínio, para auxiliar em estratégias nas soluções de problemas ou nas tomadas de decisões (Fowler, 1991).

Os STI são um campo de pesquisa e desenvolvimento interdisciplinar, que irão ainda contribuir e muito para o aprimoramento da área. Na figura 2 verifica-se as áreas e os domínios envolvidos e as diferenças entre os sistemas CAI e ICAI (Kearsley, 1987).


Figura 2 - Domínio de uma aplicação de Turores Inteligentes (Kearsley, 1987)

Histórico

As pesquisas na área de Instrução Auxiliada por Computador (CAI - Computer Assisted Instruction) tiveram início ainda na década de 1960. Os resultados obtidos geraram um grupo de programas convencionalmente chamados page-turners, caracterizados pelas lições preparadas sobre um dado assunto específico, onde o usuário apenas "virava a página". Nenhuma distinção entre os vários níveis de conhecimento dos usuários era feita, tampouco a geração de problemas e comentários diferenciados (Feigenbaum, 1982; Rickel, 1989).

Com a aplicação de técnicas de Inteligência Artificial (Feigenbaum, 1982; Rich, 1988), já na década de 1970, foi possível elaborar programas onde as lições eram apresentadas independentemente dos procedimentos de ensino, que passaram a ser denominados ICAI (Intelligent Computer Assisted Instruction). Dessa forma, problemas e comentários podiam ser gerados diferentemente para cada aluno, que passou a ser o responsável pela condução do sistema de instrução, sendo que seus desejos e falhas guiariam o diálogo tutorial. Classicamente os sistemas ICAI são diferenciados dos CAI por separarem as estratégias de ensino do conhecimento subjetivo a ser ensinado (Feigenbaum, 1982) e por manterem um modelo dinâmico e atualizado da performance do usuário. Mais recentemente, passou-se a utilizar para os sistemas ICAI a denominação Sistemas Tutores Inteligentes ou STI (Intelligent Tutoring Systems) (Kaplan, 1995).

Modelo Clássico

O STI possui uma estrutura modular onde cada módulo, além de desempenhar uma função específica dentro da arquitetura, está inter-relacionado e em sincronia com os demais. A arquitetura clássica de um STI é apresentada na figura 3.

Figura 3 – Arquitetura Clássica de um Sistema Tutor Inteligente

A divisão clássica de um STI em módulos resulta no diagrama de blocos apresentado na Figura 3 (Kaplan, 1995). Nela distinguem-se quatro entidades básicas: o Modelo Pedagógico, o Modelo do Especialista, o Modelo do Estudante e a Interface.

Modelo Pedagógico, também chamado Modelo Instrucional ou Regras de Ensino, executa o diagnóstico do conhecimento do aluno, decide quais as estratégias de ensino serão utilizadas e determina a maneira que a informação será apresentada.

O Modelo do Especialista, ou Rede de Conhecimento, descreve o conhecimento de um especialista na área de domínio do sistema, servindo como base para a construção do Modelo do Estudante.

O Modelo do Estudante é a representação do conhecimento do aprendiz e dos seus erros ou mal-entendidos, mapeando quais informações do tutor já foram assimiladas.

É através da comparação entre as informações assimiladas pelo aprendiz (Modelo do Estudante) e o Modelo do Especialista, através de um processo convencionalmente denominado de Modelo Diferencial, que são executados os processos de diagnóstico, alimentando o Modelo Pedagógico acerca da performance do usuário em questão.

O módulo de Interface realiza o intercâmbio de informações entre o sistema, o instrutor e o aprendiz. Ele apresenta material apropriado ao nível de entendimento do aprendiz e mantém a coerência nas explicações.

A interface deve traduzir toda a representação interna do sistema de maneira amigável e de fácil compreensão para o usuário, proporcionando o efeito desejado com relação à utilização do sistema.

O módulo de controle efetua a troca de informações entre os módulos existentes além de coordenar o funcionamento geral do STI.

Definição e Características Principais

Os Sistemas Tutoriais Inteligentes (STI) são definidos como "sistemas que modelam o ensino, a aprendizagem, a comunicação e o domínio do conhecimento" e que eles "devem modelar e raciocinar sobre o domínio do conhecimento do especialista e o entendimento do estudante sobre este domínio" (Woolf, 1988).

Na figura 4 podemos observar o relacionamento entre as duas áreas.

Segundo Viccari (1993), os STIs “são sistemas em que a IA desempenha um papel de relevo, não só por permitir maior flexibilidade no ensino por computador, mas também por possibilitar a participação ativa do aluno e do sistema, gerando um ambiente cooperante para o ensino e a aprendizagem (de ambos os agentes - aluno e sistema)”. A autora destaca a importância da interação cooperativa, onde ambos os agentes (tutor/aluno) interagem visando a troca de conhecimento.

Figura 4 - Áreas de Pesquisas Ativas - (Woolf, 1988)

Viccari e Moussalle (1990), apontam várias características desejáveis em um STI e consideram que através da utilização de métodos e recursos oferecidos pela IA estas características possam ser implementadas:

- ser flexível em todos os níveis (arquitetura, controle, comunicação, adaptação ao aluno);
- possibilitar e incentivar a exploração dos conteúdos instrucionais;
- possuir vários planos de ensino e uma taxonomia inicial para a apresentação do conteúdo instrucional;
- dominar, o máximo possível, o assunto que ensina;
- possuir metaconhecimento para resolver situações não previsíveis nas regras que descrevem o conhecimento do tutor;
- operar conforme o modelo de ensino assistido (caracter tutorial);
- ter mecanismos inteligentes para a depuração e orientação na detecção de falhas;
- possuir mecanismos que permitam a simulação automática e a resolução conduzida dos problemas;
- ter capacidade de aprendizagem visando, pelo menos, a adequação ao estilo do aluno;
- ter mecanismos que descrevam o raciocínio que o aluno e o tutor utilizam ao explorar um conteúdo instrucional, e,
- ter capacidade para reconstituir estados passados.

 

Aplicações e Principais Produtos

Fischetti e Gisolfi (1990), consideram o STI como um livro ativo, no qual o leitor tem uma maior interação na transmissão do conhecimento e em nível mais apropriado de entendimento. Neste contexto, julgam compreensível e de imediato entendimento a utilidade que os STIs podem vir a propiciar nos diversos campos do conhecimento humano.

A seguir algumas aplicações e produtos:

a) STEAMER (Harmon & King 1988; Clancey 1987a)

Construído pelo Centro de Pesquisa e Formação de Pessoal da Marinha em San Diego, em colaboração com a Bolt, Beranek & Neuman, Inc., de Cambridge, Massachusetts. O sistema tem por objetivo ensinar aos oficiais da Armada os problemas referentes a direção de uma central de propulsão a vapor (comum a muitos barcos da Marinha americana). O treinamento se divide em uma parte procedimental e outra conceitual sendo que a esta última, é dada uma maior ênfase. A idéia principal é fornecer ao aluno uma concepção geral do que acontece em uma central de vapor, possibilitando o exercício de previsão das conseqüências dos vários procedimentos, principalmente em uma situação de potencial emergência.

O Steamer usa dois computadores, sendo que um mostra um diagrama da central de vapor e o outro apresenta informações sobre a central e o STI, que supervisiona a interação do aluno com o sistema. Este não é considerado um sistema especialista diretamente direcionado para o ensino. Na verdade representa um sistema instrutivo capaz de propiciar uma simulação interativa e observável do ambiente estudado, valendo-se efetivamente de técnicas que os engenheiros do conhecimento têm desenvolvido.

b) GUIDON (Woolf , 1988; Harmon &King, 1988)

Foi desenvolvido por William Clancey no Departamento de Informática da Universidade de Stanford. O Guidon pode ser considerado simplesmente como uma reorganização do MYCIN para fins didáticos. O MYCIN é um sistema de diagnóstico médico e prescrição, altamente especializado, destinado a ajudar os médicos nas infecções de meningite e de bacteriemia.

O sistema é utilizado em faculdades de medicina para treinamento de estudantes e médicos, possuindo além da base de conhecimento, as experiências de casos efetivos acumuladas pelo MYCIN, o que possibilita o fornecimento de bons exemplos para os usuários.

É considerada como a principal deficiência do sistema o fato de pressupor ter o aluno o entendimento dos termos técnicos utilizados, bem como os resultados dos testes químicos apresentados.

c) SOPHIE (Woolf, 1988; Clancey, 1987a)

O sistema SOPHIE (Sophisticated Instructor for Eletronics) foi desenvolvido por Brown e Burton entre 1974 e 1978. O sistema possui três versões diferentes e possibilita a simulação de um circuito eletrônico ajudando o estudante a depurar falhas hipotéticas.

O estudante recebe um circuito com uma falha e tem que determinar qual a peça defeituosa. O SOPHIE possui um gerador de hipóteses que simulam soluções sugeridas pelos estudantes, testando se eles estão corretos. Se o sistema considerar a hipótese do estudante inconsistente com os fatos já apresentados, ele questiona o estudante e argumenta em contrário. Tudo isto se realiza através de um diálogo amigável.

d) MALT(du Boulay, 1988)

É um exemplo de STI que opera sobre programas de código de máquina. Sua estratégia de ensino é simples. Ele gera e apresenta um problema, tecendo comentários à medida em que o aluno fornece uma resposta que faz parte da seqüência das instruções em código de máquina. A interrupção por parte do sistema passa a ser menor à medida em que o aluno vai se tornando mais experiente.

O problema gerado pelo sistema é decomposto em vários sub-problemas com seus pontos centrais e suas funções primitivas. O sistema formula uma solução ideal e a contrapõe com a tentativa do aluno. À medida em que o aluno vai se desenvolvendo, o sistema apresenta variantes mais difíceis do sub-problema.

Não existe uma representação real do conhecimento do aluno acerca dos conceitos de programação em código de máquina, apenas uma prévia atuação em determinados sub-problemas e funções primitivas. Não se pode precisar se os métodos utilizados por Malt sejam aplicáveis para o ensino de linguagem de alto nível.

e) Tutor LISP de Anderson, GREATERP (du Boulay, 1988)

Este tutor conduz o aluno por uma lição de Lisp, que se constitui em uma seqüência gradual de problemas a serem trabalhados. O sistema possui um guia de procedimentos para iniciantes ou para alunos mais experientes. A medida que o aluno insere um programa, o sistema vai analisando os símbolos e dando exemplos adequados a cada situação.

O sistema se baseia em uma teoria de aprendizagem que sugere que os erros cometidos pelo aluno devem ser assinalados tão logo detectados, afim de que os alunos não persistam nos mesmos. O próprio sistema é que inicialmente escolhe o problema a ser trabalhado, depois ele faz comentários acerca das tentativas do aluno, não se preocupando muito com as questões de sintaxe.

f) SPADE (du Boulay, 1988)

É um sistema para ensino de LOGO, que pretende desenhar uma figura utilizando os desenhos primitivos da linguagem. Este baseia-se na teoria de planejamento do programa que contém ações executáveis pelo aluno, tais como a decomposição do problema.

Espera-se que o aluno possa interagir com o sistema através de uma seqüência de comandos que compõem a solução do problema. As primeiras versões conduzem o aluno a uma decomposição clássica, as mais novas permitem uma liberdade maior na solução do problema.

Além das aplicações e produtos acima citados, torna-se conveniente relacionar outros produtos, também referenciados na literatura disponível, entre os quais foi possível constatar tratarem-se de produtos resultantes de evoluções de sistemas especialistas e muitos deles voltados mais para área de treinamento do que propriamente educacional. Na tabela 1 a seguir encontram-se listados os principais STIs existentes e suas características básicas.


Sistema

Domínio

Repr. do conhecimento

Modelo do Aluno

Estratégia do Tutor

Referência*

Scholar

Geografia

Rede semântica

"Overlay"

Socrático

Carbonell, 1970

Why

Tempo (Causas da chuva)

"Scripts"

"Bugs"

Socrático

Stevens, 1982

Integrate

Matemática

(Integração simbólica)

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com orientação

Kimball, 1982

Sophie

Detector de falhas eletrônicas

Rede semântica

"Overlay"

Ambiente reativo com interações guiadas

Brown e

outros, 1982

West

Expressões aritméticas

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com treinamento

Burton e

Brown, 1979

Buggy

Subtração

Rede procedimental

"Bugs"

Ambiente reativo com orientação

Burton e

Brown, 1979

Wusor

Lógica

Redes semânticas

"Overlay"

Ambiente reativo com treinamento

Goldstein, 1982

Excheck

Teoria de con- juntos e lógica

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com orientação

Suppes, 1981

Bip

Programação em Basic

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com orientação

Barr e

outros, 1976

Spade

Programação em Logo

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com treinamento

Miller, 1982

Algebra

Matemática

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com treinamento

Lantz e

outros, 1983

LMS

Matemática

Regras

"Bugs"

Ambiente reativo

Sleeman, 1982

Quadratic

Matemática

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com orientação

O'Shea, 1982

Guidon

Medicina

Regras

"Overlay"

Ambiente reativo com interações estruturais

Clancey, 1982

Proust

Programação em Pascal

Rede semântica

"Bugs"

Ambiente reativo com orientação

Soloway e

outros, 1983

Steamer

Propulsão a vapor

Modelo funcional

"Overlay"

Ambiente reativo com orientação

Williams e

outros, 1981

Macavity

Engenharia

Regras e

"frames"

"Overlay"

Treinamento

Slater, 1985

Meno

Programação

Redes

"Bugs"

Orientador

Soloway, 1983

Tabela 1 - STIs Existentes - (Park et al, 1987), (Ross, 1987) e (Rolston, 1988)
* Referências completas são encontradas em (Park et al, 1987)

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